quinta-feira, 5 de junho de 2008

Apêndices II

Durante o último feriado do semestre conheci um grande e sujo hospital e me submeti a divertida operação de retirada do apêndice. O apêndice é uma tripa que fica no final do intestino. Minha tripa não estava em nó, porém, distendida segundo a mancha ultrassônica registrada por um médico engraçadinho.
A cirurgia foi um horror. Me sedaram e deixaram os meus peitos despidos até que o médico disse: " _ cobre a moça..." Apaguei. Despertei por um momento no final da cirurgia e zumbizei com as mãos tentando alcançar, sei lá...
Depois perguntei ao médico se esse episódio tinha ocorrido e ele me confirmou sem muito interesse. Quanto ao episódio dos seios expostos, frente a uma exposição intestinal, resolvi deixar pra lá...
O fato é que essa fatalidade me enrolou a vida. Minhas férias tiveram que ser desmarcadas após 3 meses de planejamento e negociação com as companhias aéreas; há 15 dias comecei a trampar numa instituição com a qual venho flertando há 3 anos e como aluna estou no final do semestre. Sem contar que tive que pedir ajuda à minha rabugenta e amarga mãe, que dá uma organizada legal porém cobra um preço altíssimo e não aceita cédulas ou presentes como pagamento.
Faz 13 dias e me recupero mais ou menos. Sinto algumas dores, alguns incômodos, prefiro estar deitada.
Algumas situações bizarras nas minhas relações têm acontecido:
recebi um atestado de 15 dias para o trabalho e 10 dias para a faculdade porém não posso dirigir.
Na manhã logo após a cirurgia avisei por telefone aos meus coordenadores do trabalho (sim, para meu infortúnio tenho um monte de chefes)sobre a cirurgia. 4 dias depois, um deles me solicitou o planejamento das aulas que ele encontraria um substituto. Enviei o planejamento. 7 dias depois ele me manda o telefone do serviço médico da empresa e pede que eu entre em contato com eles. Era sexta-feira a tarde. Como sexta-feira a tarde não é período para se resolver nada, protelei para segunda o telefonema.
A secretária do serviço médico como surto, impôs irredutivelmente que eu tinha que passar por uma perícia e entregar o atestado médico lá na instituição. Eu argumentei que não estava andando, não estava dirigindo, que eu moro num quarto andar só escadas mas essa proletária vendida! foi irredutível e marcou a perícia para terça-feira a tarde. Durante as falas retaliativas da fucking proletária vendida! distigüi os tons dos seus pensamentos. Eles variavam de: "pensa que vai ficar em casa na folga!" até o verbalizado: "_ mas nem tem o número da matrícula e já está de atestado?".
Fiquei ofendida e rebati com: "_Dona Proletária maldita vendida! Eu não fui relaxada com a minha saúde nem estou em casa de firula. O que ocorreu comigo foi uma fatalidade!"
Ela baixou um pouco a bola e agendou para terça a tarde.
Na terça pela manhã recebo o telefonema de outra secretária dizendo que o meu coordenador queria saber se eu já estava disposta a entrar em sala na terça a tarde porque ele estava doente e não poderia me substituir. Fiquei atônita. Será que ninguém está entendendo que estou debilitada? Como dar 4 horas de aula para 20 adolescentes com 2 cortes de 7 cm na barriga e a terrível impressão retumbante de que o médico passou seus dedões na minha cavidade ao final do intestino? Putz.
Pensei: essa é a política da empresa. Foder. Não se engane. Prós: grana. Contras: foder. Decida.
_Beleza proletária vendida II? Porra, o mundo está cheio delas! Tenho que estar aí hoje a tarde para a perícia médica mesmo... entro em sala.
A aula foi legal. Fiquei sentada e os meninos escreveram, leram, jogaram, discutiram e compraram a minha água.
Quando a médica viu meu atestado atrasado esclareceu que eu deveria ter telefonado ao departamento médico e solicitado a sua visita, no hospital ou em casa. Mas que mesmo atrasado, ela poderia ter me visitado na terça.
Quer dizer que eu não era obrigada a estar ali como a vadia vendida proletária impôs.
Aí eu disse que estava em sala de aula e a médica ficou lívida.
"_ Quem é o seu coordenador?
_ É o proletário vendido III. Mas hoje ele está doente e por isso estou aqui. Recebi um telefonema da Vendida II.
_ Quem é o superior a ele?
_ É um carinha legal ali naquela sala."

Ao término da minha aula, passei dar um alô ao carinha legal. Concluimos sensatamente que tudo foi uma comédia dos erros. Como toda boa comédia alguém tem que se foder. Nesta, por enquanto eu que perdi as tripas e fui subjugada por pessoas que deveriam ter optado por uma atitude mais fraternal, objetivar o mundo um pouco mais virtuoso.
Enquanto recupero vou pensando: por que negar os direitos dos seus semelhantes? Por que julgar o bioritmo do outro? Por que ao invés da compaixão e solidariedade, a fragilidade do outro desperta sede de poder, autoritarismo, indignação?
Deixa eu faltar na quarta-feira extra até eu me sentir plenamente recuperada!

2 comentários:

Anônimo disse...

Ainda bem que vc tem bom humor!!! E se preocupar com seios expostos menina? rsrs O médico é quem tinha que ter essa "preocupação"!!!
Cara, eu não tinha ido dar aula nem a pau, nem sob tortura! Mas, enfim, não sei como é o lance do teu trampo.
Mas, e agora hein? Estarás longe das biritas por tempo indeterminado! É, tempo de molho só serve para refletir sobre a vida... Boa sorte nas suas filosofias...
Hrbrt

Carlota disse...

a fisiologia pode ser divina mas o humor, o trampo e os projetos são opção.
Tomar a pílula azul ou a vermelha? Arre matrix!
Boa sorte para nós nas nossas filosofias, caro amigo.